O homem ou a mulher que encontramos na padaria, nas relações de trabalho, de lazer ou estudo, o homem ou a mulher que transitam nas ruas e no consultório são e não são as mesmas pessoas. Nos deparamos com partes de alguém que se reconhece em partes de si mesmo. Parece contraditório dizer que o indivíduo (indivisível por natureza) se dividi em várias faces de si, mas, de fato, contraditórias são suas atitudes, suas respostas e reações. Há quem se conheça de maneira tão perfeita que possa se apresentar tão inteiro? O autoconhecimento é uma tarefa laboriosa. Requer disposição para adentrar o que é aversivo e para descobrir o inacreditável.
O mundo privado, subjetivo, por muito tempo foi inadentrável, não sendo permitido pensar ou sentir de modo diferente ao que se impunha socialmente. Por isso, a mente e o que ela carregava deveriam ser mantidos na invisibilidade, como se, desprezados, deixassem de importar e impactar a vida. O ser não se definia por seu modo de ver ou significar as coisas, mas sim por aquilo que fazia ou produzia. O trabalho dava ao homem um lugar e uma identidade. Carregamos ainda vestígios de uma ideologia pragmática, para a qual o valor de uma pessoa se confere por seus feitos utilitários. E esta é causa de intensos sofrimentos para aqueles que são vistos, mas não são olhados.
Como, no entanto, se verá por inteiro quem em partes se apresenta? Entre tantas rotinas e escolhas, há razões (racionais e não racionais) que conduzem a uma ou outra direção. Desejo e repúdio, sentido e vazio, medo e coragem, amor e raiva coabitam o mesmo espaço do eu, consciente e inconscientemente. Há quereres que se julga querer, mas foram queridos por outros. Há quereres que nunca se quis. Outros, tem- se e não se sabe. Encontramos com pessoas conhecidas e desconhecidas ao mesmo tempo. Não há uma imagem reveladora do outro, mas um ser que se toca pela história, pelas lembranças, atos e contradições que o fazem ser quem é. Um imenso conteúdo de experiências, desejos, medos, conflitos e riquezas constituem o inviolável, o inapresentável às superfícies.

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